Quando o cinema fala do próprio cinema nós, expectadores,
somos convidados a viajar numa exposição cheia de auto - referências e detalhes
minuciosos que configuram o cinema seja como arte ou como indústria. “O Congresso Futurista” (Le Congrès) é
uma obra que justamente aborda esse tema que vez ou outra é utilizado por
alguns cineastas. Depois de se consagrar
com a animação documental “Valsa com
Bashir” em 2008, o diretor israelense Ari
Folman retorna ao universo animado (misturado ao live-action), para dessa
vez fazer uma crítica à indústria cinematográfica e ao poder que a mesma possui
sobre a sociedade. E ele utiliza ferramentas diferenciadas para desenvolver seu
filme. Uma pitada surrealista mesclada ao uso da metalinguagem faz de “O
Congresso Futurista” uma das ficções-científicas mais densas e interessantes dos
últimos anos.
O filme gira em torno da atriz Robin Wright interpretando ela mesma e utiliza alguns aspectos
biográficos de sua carreira e vida pessoal. Cotada como queridinha do cinema na
época de filmes como “A Princesa
Prometida” (1987) e “Forrest Gump” (1994),
Robin aparece na primeira cena visivelmente abalada ouvindo seu agente Al
(interpretado por Harvey Keitel) explanando
as causas que levaram a carreira de Robin ao fracasso: escolhas erradas, papéis
em filmes ruins, a decisão de deixar a atuação de lado para cuidar da família.
Ele a informa sobre uma importante reunião com um executivo de um grande
estúdio de cinema, onde lhe propõem a novidade tecnológica que irá revolucionar
a sétima arte: ser escaneada para se tornar uma atriz digital e sua imagem ser
usada pelo grande estúdio, aqui chamado de Miramount (uma clara e irônica
referência à Miramax e Paramount). Para isso, ela precisaria dar um fim à sua
carreira no mundo real, conferindo a ela tempo para cuidar de seu filho mais
novo que sofre de uma doença degenerativa que acomete a visão e a audição.
Nesse primeiro ato, o diretor Folman destila todo seu veneno
ao fazer uma crítica ácida aos grandes estúdios e produtores executivos que
visam única e exclusivamente o lucro. Ao
digitalizar um ator, os realizadores de um filme não mais sofreriam com os
problemas envolvendo atrasos, vício em álcool e outras drogas, depressão, temperamento
difícil e outros tormentos que afligem inúmeros atores de Hollywood. Os
estúdios lucrariam exorbitantemente apenas com a imagem digital, negando aos
atores a liberdade criativa para escolher papeis e gêneros de filmes.
É no segundo ato do longa que Folman opta para a imersão no
surrealismo. Após 20 anos da assinatura de seu contrato com a Miramount, vemos
Robin a caminho de um grande congresso onde será homenageada. Para chegar lá, é
preciso inalar uma substância que a transforma em um desenho animado. A
cenografia do filme investe num tom lisérgico, misturando traços de animação
japonesa com desenhos clássicos do Mickey e um visual que remete ao
psicodelismo de Yellow Submarine dos
Beatles. Em meio a esse cenário surreal, o roteiro critica a alienação do
público perante as promessas impostas pela mídia, como a criação da substância
que ao ser ingerida lhe dá a aparência que desejar, até mesmo ser igual a uma
celebridade. A tal substância representa a ilusão do livre arbítrio utilizada
no filme.
Mas o posicionamento crítico de Ari Folman vai além. No
terceiro e melancólico ato, ele nos mostra a partir da busca de Robin pelo
reencontro com seu filho, uma visão crítica e um tanto quanto pessimista do
futuro da humanidade. Enquanto muitos preferem delirar num mundo animado onde
possuem o “livre arbítrio” de serem o que quiserem, outros vivem a desolação
que encontra-se o mundo real.
Robin Wright está
magnífica, transpondo para esse projeto tão ousado, uma performance orgânica e
comovente. Aliás, todo o elenco está excelente. Desde um maquiavélico Danny Huston na pele do chefe da
Miramount, até um Harvey Keitel que
oscila perfeitamente entre momentos imponentes e momentos doces. Faço também
uma menção honrosa à bela participação de Paul
Giamatti como o médico do filho de Robin.
Assim como os grandes estúdios cinematográficos utilizam os
roteiristas, diretores e principalmente os atores como meros objetos de lucro,
o poder midiático está aí para ilusionar a sociedade e usá-la como um simples
objeto de massificação. E é por isso que considero “O Congresso Futurista” uma obra mais que atual.